Palavras (e coisas do tipo): Só as pontinhas, por favor!

sexta-feira, fevereiro 17

Só as pontinhas, por favor!

Corta esse cabelo, é o que mais tenho ouvido ultimamente. Perguntava-me por que o comprimento dos meus fios tanto incomodava as pessoas. Lendo uma revista de beleza, me deparo com uma daquelas transformações de leitoras, mulheres comuns. Na chamada para a matéria, o clichê: “Sou uma nova mulher”. Bingo! Todos os pensamentos repentinamente se alinham.

Não é a mesma mulher! Não é aquela que esperou meses pela boa vontade do cabelo crescer, controlando as pontas duplas, a chapinha e o secador. Não é aquela que na praia usava chapéu – não porque era bonito ou queria fazer charme, mas porque queria reduzir ao máximo os danos do sol e do sal. Com certeza não é a que sofria para desembaraçá-lo antes do banho (depois é loucura, ela sabia). Era outra.

Não é só o cabelo. É uma mulher, uma história de vida, ainda que seja um pouco mais de vida e menos de história, ou vice-versa. Alguém com sonhos, personalidade e deslizes. E vaidade, claro. É fácil para quem vê de fora fazer o maníaco da tesoura e me deixar com um corte na altura da boca. Eu não quero saber se é bonito, se é mais prático, se está na moda, se a protagonista da novela das oito usa. Não quero cortar.

Quantas vezes o cabeleireiro já tentou te convencer que o corte era mais fácil de manter? Ou de algum metido a espertalhão que o curso para o qual você quer prestar vestibular era superconcorrido, ou muito desvalorizado no mercado, ou ainda muito extenso? E que a pessoa com quem você se relaciona há anos é muito impulsiva e tem gênio difícil? Ou ainda que o trabalho para o qual você dá o sangue e o suor não está á altura de sua capacidade como profissional? Eu, várias.

Nada mais fácil que mudar drasticamente, não? O longo está dando trabalho, corta. Rápido e indolor. Algo não vai bem, chute o balde. Fácil, tão fácil.

Sim, é fácil cortar. Difícil é disfarçar as pontas duplas com um corte que não tire a forma e nem dispense os vários centímetros que te acompanham. De preferência, que dome o volume. Difícil é ceder e admitir que às vezes, bom, ás vezes aquela pessoa explosiva agiu assim porque você passou a uma senhora distância do limite considerado tolerável. Fácil é ignorar seu talento e orientação vocacional e optar por uma profissão que te dê prestígio social e de quebra um bom dinheiro, porque você quer sustentar um status. Difícil é assumir suas escolhas e assumir seus riscos. É fácil cortar o cabelo, digo, o mal, pela raiz. Difícil é lidar com ele. Cabelo, por mal que vá, cresce.

E se continuarem a me questionar porque, eu direi que sim, é mais trabalhoso, mas é recompensante. Há um preço a pagar. Sim, exige cuidado, mas eu conto com a ajuda de finalizador, musse e reparador de pontas. Estou bem munida. e mais, diria que já tenho a resposta para os conselhos dentro e fora do salão: Não me tose, por favor.

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